Reduções Jesuiticas Paraguaias - O saque continua.

Há tempos, muitos, queria conhecer as Reduções Jesuiticas Argentinas e Paraguaias. No início do mês de abril/22, consegui. Eu, minha irmã e uma amiga fomos de carro ver as ruínas desses dois vizinhos. Ruínas de um legado de organização, religiosidade, trabalho, produção artística, distribuição justa dos meios de produção, respeito às culturas de cada povo... Ruínas de uma das maiores utopias já pensadas e realizadas pela humanidade. Não é pouco. Fazer essa viagem é se dar o prazer de experimentar um pouco de grandeza humana. Emociona. Mas, emociona também pela história de horror de que foi palco. Eu já conhecia as nossas ruínas de São Miguel Arcanjo e de São João Batista, esta última graças à curiosidade de uma sobrinha que me levou até lá. O que encontrei, especialmente no Paraguai, foi o testemunho físico histórico mais impressionante desta grande obra Jesuitica e da enorme, imensurável injustiça cometida contra o povo guarani. Não é à toa que esses fatos foram apagados durante anos dos livros escolares, que a eles dedicavam umas poucas linhas. Visitamos, em Trinidad, a Redução de Jesus de Tavarangue e a de Lá Santíssima Trinidad. As duas muito bem guardadas pelos responsáveis. O entusiasmo dos nossos guias, a Lira, na primeira, e o Carlos, na segunda, este um guia por pura sorte nossa, deixou muito claro o apreço dessas pessoas por estes sítios históricos fantásticos. Tão fantásticos que não seria exagero compara-los a Machu Picchu. Aliás, a UNESCO já o fez. São, todos, Patrimônio Histórico da Humanidade. Infelizmente nem tudo são flores. Este sentimento de orgulho e de preservação não é compartilhado por todos os paraguaios. Dentre todos os ensinamentos que ouvimos, soubemos também que em outras épocas, inadvertidamente, muitas, mas muitas mesmo, das pedras das construções foram utilizadas nas obras das rodovias e das casas dos moradores próximos. Não sabiam da importância da preservação para as gerações futuras. Esta prática, aliada a destruições anteriores ainda, por razões bélicas ou de estratégia de poder, deixaram pouco para vermos, embora seja muito em importância histórica. No entanto, e isso é o mais trágico e indesculpável, o saque continua até hoje. Continua nos casos de propina dos quais se ouve incontáveis relatos, nas aduanas e nas estradas, por funcionários públicos que dificultam a vida dos turistas, na gana da multa por motivos em que uma advertência teria mais eficácia, na incrível má sinalização das estradas, na enorme dificuldade de tempo para se conseguir entrar e sair do país, com filas de carros que demandam de 3 até 6 horas, na má vontade e até grosseria do pessoal da fiscalização, ainda mais se tu não comprou nada, na sujeira que se vê na entrada da cidade e da ponte internacional (atravessamos em Posadas/Encarnacion). É tão grande o sentimento de insegurança dentro do Paraguai, que, quando se sai dele, há uma sensação de alívio. Há um aparato comportamental que te desestimula a visitar o país. A magnitude das ruinas contrasta com os entraves que se encontra, na mesma proporção. E o paraguaio, provavelmente vítima de anos de políticas públicas sociais e educacionais incompetentes, em sua maioria alheio à importância do patrimônio e da história que o país abriga, é, por isso mesmo, outra prova do saque que até hoje continua. Vi as Reduções e me encantei. Mas, não pretendo mais voltar ao Paraguai. Na Argentina, visitamos San Ignácio Mini, Loretto e Santa Ana, na Província de Missiones, outros grandes testemunhos dessa história. Aqui, o cuidado com o patrimônio histórico é o mesmo, mas o turista se sente muito melhor acolhido, apesar das precárias condições das aduanas de travessia por balsa. Para ser justa, tenho que dizer que as ruínas paraguaias tem muito mais material preservado. Turismo é fonte de receita e conhecimento. Tratar bem o turista é uma questão de inteligência.